A origem dos problemas comportamentais dos cães
M.V. Tiemi Akamine – MSc, Comportamento Animal
Historicamente o cão (Canis familiaris) é retratado como um animal de origem social. Desde seu surgimento, o cão vivia em matilhas e desenvolvia comportamentos de interação social que abrangia desde um simples processo de higienização mútua ou grooming até relações de liderança. Cães em matilha desenvolveram técnicas de caça, agressão é rara, ocorrendo com maior frequência a atitude de evitar-se. Porém há registros de membros da matilha que atacam e matam um membro fraco tal comportamento também já foi observado em cães domésticos.
Segundos dados arqueológicos, a domesticação do cão teria ocorrido há aproximadamente 14 mil anos, quando o lobo foi trazido para dentro da estrutura social humano. Foram encontradas evidências da presença de cães nas cavernas no Iraque, datando de 10 a 12 mil anos atrás. Ainda em Israel, cientistas encontraram restos mortais de um ser humano, provavelmente do sexo feminino, com restos mortais de um cão, de aproximadamente 9000 a.C.. Na China, Europa e Estados Unidos há indícios de domesticação de cães datada de mais de 7000 a.C..
Diferente de domesticação, o processo de amansamento já estaria ocorrendo desde o momento que agrupamentos de lobos passaram a habitar próximos aos assentamentos humanos, devido à facilidade na obtenção de alimentos. Esses grupos tornaram-se isolados reprodutivamente da população mais selvagem, dando início à diferenciação genética que levaria à linhagem dos cães.
A principal mudança ocorrida durante a evolução canina foi sua “percepção de mundo”. Isto significa que enquanto há uma alta sensibilidade e estado de alerta combinado às reações rápidas ao estresse necessárias para a sobrevivência do animal no estado selvagem, características opostas de docilidade, diminuição do medo, tolerância ao estresse, foram requisitos adquiridos para que ocorresse a domesticação. Para que isto fosse possível, mudanças estruturais ocorreram: alterações hormonais, redução no tamanho do cérebro, diminuição da acuidade e sensibilidade da audição e visão e retenção de características e comportamentos juvenis na vida adulta.
Nos últimos 40 anos, os casos de cães com problemas comportamentais têm se tornado mais frequentes. Isso reflete a mudança rápida do papel de um cão na sociedade, que passaram de animais selvagens (evolução de milhares de anos) a cães de trabalho em fazenda, um habitante de quintal, para finalmente, e mais recentemente, se tornarem um membro da família. Essa mudança trouxe duas consequências: alguns proprietários podem não saber qual é o comportamento canino normal, ou podem ter expectativas irreais do cão, pois eles só conhecem cães como membros da família, e não sabem (ou poucos sabem) sobre o comportamento natural do Canis familiaris original.
Ocorre que alguns animais conservam em sua essência o comportamento desenhado através dos milhares de anos de evolução. Alguns comportamentos interpretados como distúrbios, são simplesmente fruto de um comportamento necessário na época em que a espécie não estava domesticada, e apenas precisa ser moldado, ou ensinado ao animal o que é adequado para aquela ocasião ou não. Isso significa que o cão (assim como todas as espécies) está em constante evolução, e a direção que ela vai tomar depende do meio e dos outros seres que convivem com ele. Outros problemas têm origem na forma de criar o animal. A falta de conhecimento dos proprietários a respeito do comportamento e das necessidades dos cães podem induzir alguns distúrbios como estereotipia, comportamento destrutivo, ansiedade de separação, coprofagia, etc.
Os problemas que mais chamam a atenção dos proprietários, e que portanto são alvos mais frequentes de consultas comportamentais, são os que causam alguma perturbação rotineira, que são classificados como “incômodo”: defesa territorial, superproteção do proprietário e vocalização excessiva representam 70 a 75% das reclamações. Os que trazem riscos potenciais (perigo ao proprietário ou à sociedade): agressividade representam 19 a 25% das reclamações. Outros comportamentos bastante comuns são comportamentos destrutivos, latidos e saltos sobre as pessoas .
Quando pesquisados, quase 90% dos proprietários admitem que comportamentos como pedir comida, saltar em móveis, saltar em pessoas, corridas, desobediência e atuação indisciplinada de seus cães poderiam receber treinamento. Mais da metade dos proprietários de cães dizem já terem discutido problemas comportamentais com veterinários, e 78% procurariam ajuda caso seu animal manifestasse tais tipologias comportamentais.
Por Adriana Tiemi Akamine, Médica Veterinária pela UNESP
Mestre em Ciências pela USP, estuda comportamento animal há mais de 10 anos.